A BRONCA DO MOREIRA

 

Raimundo Galo, pedreiro dos bons, vivia com as filhas Nair e Nega em uma bem cuidada casinha às margens da antiga rodovia para o Cedro, logo depois de onde é, hoje, a Cooperativa Agropecuária.

Muito trabalhador, Raimundo Galo reservava porém algum tempo de descanso para se informar sobre o que ocorria principalmente no exterior onde pipocavam os canhões na guerra de 39/45. Possuía um velho rádio e, embora lutando contra os chiados e fugas de onda, não perdia uma edição do Repórter Esso e do Grande Jornal Inconfidência. Guardava com carinho algumas fotos de jornais onde apareciam os generais comandantes do conflito e alguns mapas das operações militares. Admirava sobretudo a bravura e as estratégias de Rommel e Montgomery nas batalhas do norte da África.

Trípoli, El-Al-Amein, Casablanca, Tobruk eram nomes familiares para ele. Versado em logística militar apontava os erros e apresentava as soluções para o êxito desta ou daquela batalha.

Raimundo Galo fazia parte da confraria da Barbearia do Luiz Rocha, onde todos os sábados se reuniam entendidos para discutir vários assuntos e principalmente a guerra. Valdemar Correia, Edmundo, David, Otávio Silva e vários outros apontavam estratégias para operações bélicas com tal perfeição e riqueza de detalhes que transformariam qualquer general em simples recruta. Para ativar discussões havia o antagonismo: alguns defendiam os aliados e outros, o eixo. As acaloradas discussões porém tinham um final feliz: a casa da Maria Padeira onde, numa velha panela de pedra, suculentas almôndegas aguardavam os beligerantes de araque.

Além de estrategista militar, Raimundo Galo era também exímio contador de estórias. Gostava de futebol e, principalmente, do apelido de Perácio que lhe fora atribuído em homenagem a um dos jogadores da época do seu querido Flamengo.

Dizia ele que o Ideal Esporte Clube, da localidade da Pontinha, acertara um jogo contra o Independente, em Inhaúma, então distrito de Sete Lagoas. Formalizada a troca de ofícios, a partida foi marcada para um determinado domingo de dezembro, se não chovesse. Na hora da saída, o time devidamente acomodado na carroceria do caminhão que enfrentaria os 16 quilômetros de estrada de terra até o estádio, houve o imprevisto: o motor não pegava de nenhuma maneira. Bateria arriada. Nem no tranco, com ajuda de todo o time no “empurra”, foi possível o funcionamento da viatura. Como compromisso era compromisso, após rápida reunião, decidiram o mais viável para o momento: iriam a pé e já devidamente uniformizados. Os 16 quilômetros seriam transpostos em marcha acelerada, pois houvera muito tempo perdido com o caminhão e o sol já ia alto.

Chegando ao campo, novo problema: o presidente do Independente não abria mão do jogo de aspirantes. Os argumentos do capitão do Ideal não foram capazes de demovê-lo. Só os onze jogadores, problemas de cansaço com a viagem, nada disso demoveu o dirigente do time local. Ou o jogo do 2º quadro ou nenhum. Não havia remédio. O time da Pontinha entrou em campo com os únicos 11 jogadores que tinha para a partida preliminar. Resultado final: 2 x 0 para o Ideal. Ligeiro intervalo, algum descanso à sombra de uma goiabeira ao fundo do campo, algumas colheradas de farofa de torresmo, dois dedos de “birita” para cada jogador e a volta para a partida principal. Três horas da tarde. Sol de rachar. Dada a saída, gol do time da casa e, quase ao final do primeiro tempo, outro. Previsão de goleada. Intervalo curto. Água à vontade, mais farofa e repetição da “birita”. No segundo tempo, reação espetacular do Ideal: 15 minutos, gol do Moreira. Aos 34, novamente Moreira arranca do meio campo, passa por vários adversários e entra com bola e tudo no gol do Independente. Resultado final: 2 x 2.

Terminado o jogo, de volta à sombra da goiabeira, Moreira, que também era um misto de capitão e técnico, reúne a rapaziada e diz:

– Gostei não. Era pra nós tê vincido de 4 pra riba. Num sei o qui tá aconteceno. O Gabiroba tá garrano até bem no gol. A pareia de beque tem até arguma catigoria, disarma bem. O Fulô sabe até sair jogano. Os arfo tá dano conta do recado e a linha só pricisa acertá mais nos chute e nas cabeçada. Aprimorá mais nos centro e nas batida de corne. Acho que fartô foi forgo no time. Amanhã é dia santo e nós tem jogo marcado lá na Manga Grande. E pro vexame da farta de forgo num ripiti, vamo aprimorá mais as física. Vamo saí correndo daqui até a Pontinha. Quando chegá, aproveitamo o qui restá de sol e fazemo um treino. De manhã cedo, antes da saída, quero todos no campo pra um treininho ligeiro até vê se o Tunico cunsertou o caminhão. Se ele continuá enguiçado, nós vai para a Manga Grande é a pé mesmo. Trato é trato. Nós num pode é fartá de jeito ninhum...

Essa era uma das estórias do Raimundo Galo, o nosso inesquecível Perácio. Que Deus o tenha...

 

*****

 

 

 

 

 

 

 


Início

************************************************

“CAUSOS
(na ordem em que foram publicados)