– Pois é cumpade Perera. Cê tá veno aquela murtidão de istrela lá in
riba? Pois foi eu que botei elas tudo lá...
– Deixa de bobage, cumpade Caitano! Aquilo foi criado pur Deus para
o incantamento de todas as pessoa...
– Deus ajudô e muito. Mais quem deu a idéia foi eu e os primeiro passo
tamém foi eu qui deu...
– Cumo assim...
– Foi numa noite de São João e nessa ocasião o céu era todo iscuro
e quando não tinha lua, dava inté medo de oiá prá riba. Quando acabô
as comemoração da festa, cumpade Fulô me pidiu que cabasse de apagá
a fuguera prá ivitá argum incêndio. Eu intão fui lá na cacimba, peguei
uma cuia dágua e vortei prá jugá no fogo. A fuguera era grande e ripiti
a viage outras veis. Quando tava quase tudo apagado, eu peguei uma brasinha
numa cuié prá mode acendê meu cigarro e soprei ela. Ah cumpade Perera,
num te conto nada! O meu sopro foi tão forte que as fagúia da brasa
esparramarô e com a força do vento foram subino, subino, até chegá
lá no céu formano essa belezura qui ocê tá veno hoje...
– Intão foi isso, cumpade Caitano! Não foi Deus não?
– Bem, cumo eu disse, ele deu uma mãozinha, fazeno as fagúia se murtiplicá
e pregano elas lá no arto... Mais quem cumeçô tudo foi eu. Dispois qui
tava tudo arrumadinho lá in riba, os intindido batizô as istrela mais
maió, dano o nome de constelação as qui tava perto uma das otras. Aquelas
cinco qui ocê tá veno lá pro lado do Morro da Bocaina é o Cruzero do
Sul. Aquela lá pareceno gancho é o Iscorpião. Tem as Treis Maria todas
incarriadinha, a Ursa, e otras qui num guardo o nome... Ocê pode vê,
cumpade Perera, que um céu istrelado cumo hoje é a coisa mais bonita
qui inziste...
– É cumpade Caitano, eu aquerdito no qui ocê tá falano pruquê eu tamém
criei uma istrela... E foi de perpósito e não pur acaso. Umazinha só,
mais bunita, mais maió, mais séria e briante que quarqué das que ocê
fez e qui num ficasse lá de riba piscano pros otro cumo as sua ...
– Conta, cumpade Perera, cumo ocê fez isso...
– Eu tava numa madrugada lá no arto do Morro da Pitanga, oiano pro
céu, admirano as beleza das istrela qui tava garrada nele. Aí arrisurvi
eu tamém criá uma. Mais eu quiria que ela fosse diferente, qui briasse
quase cumo o sol e qui sua luz atraísse todas as pessoa pelo fulgô e
imponência de seus raio. A luz dela divia sê firme, forte, facera...
– E cumo é que ocê fez? Jugô fagúia tamém prá riba?
– Não, eu num tinha nem caxeta de pau de fosqui, nem binga.
– Cumo foi intão?
– Peguei todo o meu amô, isprimi nas parma das duas mão e com toda
a força juguei prá riba. Dispois de uns minuto vi aquilo virá uma bola
de fogo qui foi indo, foi indo, inté pará lá no céu, perto de onde nasce
o sol, virano uma istrela e de lá pareceno me oiá e sorri. Vortei lá
no morro muitas e muitas veis prá oiá minha istrela e isperá que ela
viesse um dia para eu vê ela de pirtinho e recebê pelo menos um gradicimento
pur eu tê criado ela com todo o amô qui eu tinha. Nunca veio e eu parei
de isperá ela lá no morro. Fui intão prá otras banda, sem a istrela
e sem ninhum amô no coração...
– E intão?
– Dispois qui eu disisti de isperá, sube qui um dia ela desceu. Mais,
coitadinha, se isqueceu do meu nome, se lembrano só do sobrenome e ficô
junto de um otro Perera qui não era eu... E ela parece que inté gostô
pois viveu muito tempo na companhia dele.
– Ocê intão criô uma estrela qui te trocô pur otro, né cumpade Perera?
– Não é isso cumpade Caitano. Premero, ela num tinha ninhum cumprumisso
cumigo. Dispois, num pudia querê se aproximá de uma pessoa que num tinha
nem figura, nem porte, nem traquejo prá atraí ela. Fez ela muito bem
em sigui sua vida junto ao otro Perera. Quanto a mim, fui passano pela
vida, sofreno muito pelo abandono da istrela, e sem ninhum amô prá dá
a ninguém pois o meu foi todo consumido na criação dela.
– E tá assim inté hoje?
– Não, cumpade Caitano. O cumpanhero maguô a istrela e dispois de muito
sofrê ela vortô prá donde tinha saído, lá no arto do céu, levando em
sua companhia umas istrelinha que nasceu no seu jardim.
– Tá lá ainda?
– Tá e cumo tá bunita! Os ano passô e ela continua linda cumo nunca.
Parece inté qui pur milagre agora nós já fala um cum o otro. De longe,
só de longe. A istrela, ainda com as cicatriz doloridas pela dô da traição
sufrida, incoeiu-se dentro dela mesma e nunca mais quis a aproximação
de otra companhia... Veve sozinha, agora já separada tamém das istrelinhas
que já encontrô seus caminhos definitivo, amparadas pela mão firme e
sigura de sua criadora e protetora.
– E eu posso vê ela?
– Ocê e todas as pessoa do mundo. É só oiá pro nascente, ao
raiá do dia, dispois do amiudá dos galo. Só que o sol aparece e a istrela
foge das vista dele pois ele tamém é paxonado pur aquela maravia, e
dá as cara só à noitinha mostrano toda sua elegança e imponença, indo
dispois repousá das atividade que izecutô durante o dia intero lá atrás
do Morro da Gabiroba.
– E essa istrela não tem nome como as qui eu criei? Não faz parte de
arguma constelação?
– Uns chamam ela de istrela darva, istrela da manhã, istrela matutina,
quando ela aparece cedo, no horizonte; e istrela vespertina, istrela
da tarde, vésper e otras quando ela aparece à noitinha. A minha antiga
fessora disse que o seu nome é Planeta Vênus e eu fui oiá no dicionaro
o qui era isso. E o qui tá iscrito nele é muito certo: ela é qui nem
“mulher formosíssima” que inspirou o italiano Milo a fabricá a sua famosa
Vênus, qui tá num Museu muito longe daqui. E dos istudioso ela é cunhicida
cumo “o mais brilhante dos planetas, a 260 milhões de quilômetros da
terra (tarvez a distança que me separa dela), além de outras difinição.
Tá inté pareceno que eu sou intindido em arguma coisa, hein cumpade
Caitano...
– Às veis a gente iscurrega mesmo, cumpade Perera. E ocê, cumo é que
chama ela?
– A istrela que me acumpanha a vida toda, de quem eu num isqueço um
só momento e qui nasceu numa atitude qui tomei lá no arto do Morro da
Pitanga de intregá meus sentimento só prá ela, tem um nome: Esmeralda
Maria, a deusa qui foi criada pelo meu amô...
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