O MINHOQUEIRO TRAPALHÃO

 

– É isso mesmo, doutô. Antonte robaram a minha bicicreta, a coisa mais valiosa que eu tinha na vida. Num era nova não mais tava em boas condição e sem ela num sei cumo vou vivê.

– Atenda aí o Sr. Minervino que pretende fazer a ocorrência do roubo de uma bicicleta, disse o delegado de polícia ao escrivão, lá na delegacia.

– Senta aí sr. Minervino e relate o que aconteceu.

– Sim sinhô. Dá licença, disse o Minervino, puxando a cadeira e sentando-se junto ao escrivão.

– Pois é, dr. escrivão...

– Não sou doutor e seja rápido que tenho outras coisas a fazer...

– Essa bicicreta era cumo parte de minha famia. Comprei ela novinha, lá em Sete Lagoa. Era vermeia, pneu balão, cum campainha e até espeinho prá oiá prá traz. Paguei ela cum muita dificurdade em 10 prestação e num atrasei nem uma. Sirvia prá eu passiá e, num desses passeio, cunheci a Quirubina, a quirida Quiru, minha muié inté hoje. Me levava na fábrica pra eu trabaiá e carregava os minino prá istudá lá na iscola. Nas missa da 7, chegava premero qui todo mundo, carregando a Quiru na garupa...

– Sr. Minervino, seja mais explícito e relate o delito com mais objetividade, disse o escrivão já meio nervoso.

– Foi antonte. Disimpregado, arrisurvi tentá cavucá umas minhocuçu lá na fazenda do Lilico, na berada da istrada prá Curvelo. Tomei o inxadão imprestado do cumpade Deroci, marrei ele no quadro da bicicreta, peguei o imborná com a matutage e uma garrafa d’água e dispenquei lá prás banda da Picada. Apiei na bera da cerca e incostei a bicicreta num poste, do jeito que eu via ela de onde eu ia ficá, lá dentro do pasto. Sabia que iantes de cavucá tinha que discubri aquelas bolinhas de barro que os minhocuçú bota. Num tava incontrano nada. Cabeça baixa, percurano os siná, quase que trupiquei num bezerrinho nascido no mesmo dia qui tava iscundido numa moita de capim provisório, dibaixo duma arve. O pió foi qui a mãe dele tamém viu eu. E veio correno e bufano prá riba de mim. O jeito foi largá o inxadão e trepá no pé de capitão-do-campo inda não muito disinvurvido, mais qui dava prá guentá meu peso. Tamém num tinha otro remeido. As otra arve tava meio longe. Quando oiei prá riba, prá percurá um gaio mais manero prá acomodá, vi uma caixa de marimbondo daqueles preto e grande que mais parece bizorro, garradinha na minha cabeça...

– Sr. Minervino, vamos ao fato, disse o escrivão. E o roubo da bicicleta?

– Aí, sô escrivão, fiquei increncado mesmo. Dibaixo de mim, a vaca balançano a cabeça e bufano, doida prá me pegá. In riba, os marimbondo com os ferrão pronto pra usá em quarqué coisa qui eles num gostasse... Aí qui acunteceu. De onde eu tava vi qui um home qui passava na istrada arregalô os ôio na minha bicicreta. Oiô prum lado, oiô pro otro, isperou um pouco, num viu ninguém, muntou nela e pegô a reta pro lado do Trevão. Fiz menção de descê da arve ou de gritá. Mais cumo? E a vaca mais os marimbondo? O jeito foi ficá quitinho, quase chorano, oiano o home virá na curva muntado na minha bicicreta.

– E como foi que se safou dessa situação, sr. Minervino?

– Aí foi só aperto. O Lilico num gosta nada de minhoquero, cumo o sinhô sabe. E foi ele qui apareceu campiano a vaca que tava disaparicida do currá tinha dois dia. Viu a danada, laçou ela, desceu do cavalo e amarrou o laço no pau qui eu tava trepado. Quando ele foi pegá o bizerrinho prá pô na cabeça da sela, sortá a vaca e vortá prá fazenda, ela deu um arranco mais forte e balançou cum força a arve. Os marimbondo num gostô e saiu aquela chusma pra riba da minha cabeça. Um me deu uma ferruada na orêia e eu num guentei. Dei um grito e caí da arve, pirtinho do cavalo do Lilico e cumecei a corrê. O fazendero, que ainda tava tentano ajeitá o bizerro na cabeça da sela, pôs ele no chão, pegou a cartuchera que trazia travessada nas costa e sortou um palavrão danado de feio: – Seu minhoquero (aí defamô minha mãe), ocê num vai vortá aqui mais nunca, disgramado... E pum, pum. Deu dois tiro que passaro raspano mais num me pegô, graças a Deus... Passei pru baxo da cerca e vim correno até o arto do Chora adonde moro... Inté o inxadão ficô prá trás...Tô tremeno inté agora....

– A sua bicicleta tem alguma característica especial que possa identificá-la?

– Tem sim, sô escrivão. A marca dela é Caloi, a cor é vermeia e tá fartano um raio na roda da frente e ôtro, na roda de trás, tá meio torto e inferrujado. A armofada do selim tem o iscudo do Cruzero. No quadro, do lado isquerdo, tem um ranhão de um parmo mais ou meno e um discascado piqueno no paralama de trás. Só isso...

– É, sr. Minervino, a polícia vai fazer todo o empenho em localizar e apreender a sua bicicleta. Mas, com essas características tão vagas, a identificação vai ser muito difícil. Acho melhor o senhor fazer duas promessas para o santo de sua devoção: uma para que a sua bicicleta seja encontrada e outra para ajudar você a deixar de ser ingênuo e não vir mais à delegacia confessar que invadiu propriedade alheia para depredá-la... Não te autuo e processo porque acho que você é mais simplório do que contraventor. Mas pode ser que o delegado assim não entenda. Saia de fininho por aquela porta e agradeça a Deus pela minha compreensão.

E mais uma vez o Minervino pôs as pernas a funcionar. Resfolegante, a 100 por hora, chegou em casa.

Estava encerrada desta maneira mais uma promissora carreira de minhoqueiro...

 

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