NA ROTA DA ERVA E DO PÓ DO CAPETA

 

O assessor, com uma fita cassete à mão, entrou esbaforido no gabinete do deputado Zeca Melo, interrompendo o complicadíssimo “jogo da velha” que ele disputava com sua loura e decotada secretária predileta e foi logo dizendo:

– Deputado, até que enfim consegui grampear a conversa do Juca Mutamba com outro elemento de sua quadrilha de traficantes daqui da capital. Descobri que, para disfarçar, ele liga sempre da casa de um vizinho, onde existem dois enormes cães pitbull, o que dificultou muito a minha tarefa em escalar o muro e instalar nos cabos os respectivos grampos.

– Com essa prova conseguirei desbaratar a ramificação do narcotráfico e, o que é mais importante, aparecerei graciosamente na mídia e a reeleição estará garantida, disse eufórico o deputado.

– A qualidade da gravação não é muito boa, mas dá pra entender razoavelmente o seu conteúdo. Como disse, foi feita com muita dificuldade, valorizou o assessor.

– Vamos logo, liga o toca-fitas e ouçamos o que ela contém, colhendo as provas para desbaratar mais essa quadrilha de narcotraficantes e cuja divulgação irá alavancar a minha próxima candidatura.

– Mundico – começava a gravação – ainda hoje, pelo ônibus das 5 hora, vô mandá o pó qui cunsigui arrumá e ocê disse que o pessoal aí do mercado tá recramano a farta. As imbalage do fumo vai tamém e tá em amarrado de um quilo dentro dum saco. Ocê aperpara ele diritinho e manda tamém lá pros home. A droga de sua sogra vai junto e vê se invia ela pra casa do Chico Doido, lá em Betim. Tá cumigo indesde feverero e já tá na hora de otro sê responsave pur ela. Tô aproveitano tamém pra mandá o craque que ocê disse qui vai sê fáci incaxá no juvenil do Atrético ou do Cruzero. Se num dé, leva ele pro Pitangui ou Santa Cruz onde ispero qui seje isprementado e aceito cum menas inzigença.

– Basta – interrompeu o deputado. Esta é a prova de que eu preciso. Amanhã volte à cidade e convide o Juca Mutamba a vir ao meu gabinete. Vá à casa do tal Mundico, apreenda o material e aqui tudo estará preparado para a apresentação do narcotraficante e das provas materiais de suas atividades criminosas à imprensa.

– Não será melhor levá-los à polícia, deputado?

– De jeito nenhum. Tenho que aparecer perante os eleitores e a polícia não vai permitir que eu faça o indispensável “auê” em suas dependências. Tenho que aproveitar a oportunidade, meu caro, e usufruir do impacto que a propaganda gratuita me proporcionará. Depois da entrevista coletiva, entregaremos os traficantes às autoridades, finalizou o deputado.

Câmeras ligadas, flashes engatilhados, microfones testados, repórteres a postos e eis que chega o Juca acompanhado de sua sogra e de um dos filhos, seguidos do assessor e de dois seguranças que transportavam quatro galões e um saco de nylon amarrado pela boca.

– Então Sr. Juca, o que tem a dizer sobre a cocaína acondicionada nestas latas?

– Tô intendeno não, doutô. Num sei nem o qui é isso não. Dentro das latas tem é pó ou rapé cumo ocês fala aqui na capital. Nós fornece ele desde muito tempo para um fumero do Mercado Central e ele já tava arrecramano do atraso das entrega.

– E a maconha que está neste saco?

– Num é maconha não, doutô. Pode abri ele e oiá. É fumo mermo e dos bão qui veio pra mim lá de Goiás e eu pidi ao Mundico pra torrá e muê ele, pois indonde eu moro tá danado pra fartá luz e a aperparação tá seno muito sacrificosa.

Já meio descontrolado, prosseguiu o deputado:

– E a droga de sua sogra, onde está?

– Tá ali, doutô, sentadinha naquele canto. A Minervina, minha muié, é qui vai ficá muito braba cumigo pur eu tê chamado a mãe dela de droga. Mais a véia é isso mesmo. Fofoqueira, come muito e toma banho só nos sábado. Já num tava guentano mais e pidi o Mundico pra mandá ela pra casa do Chico Doido, qui tamém é genro dela, pra me dá sussego pur uns meis.

– O que diz sobre o craque que também veio e nós não localizamos? Querendo viciar a nossa juventude esportiva com esta droga da pior espécie, não é Sr. Juca?

– Tá ali tamém, oia. É o meu fio, o Abeia, qui o Mundico prometeu apresentá pro vizinho do auxiliá do cortadô de grama lá do Minerão pra fazê uns teste nos crube da capital. Acho que vai sê aprovado, pois ele chuta cas duas perna, defende bem de centerarfo e até já garrô no gol numa emergença. Se num é ainda, o sinhô pode aquirditá que vai sê um grande craque! Vai sê nome certo pra seleção!

Não se dando por vencido, o deputado energicamente ameaçou:

– Mesmo assim, Sr. Juca, vou pedir a quebra do seu sigilo bancário, telefônico e fiscal para termos a certeza da lisura de seu comportamento.

– In premero lugá, o qué qui é sigilo?

– É o segredo de suas transações junto aos bancos, empresas telefônicas e Receita.

– Carece não, doutô. Telefone eu num tenho, pois é danado de caro e eu num posso pagá as conta todo meis. O banco que pudia mi cumpricá é o banco lá da praça, onde eu e a Minervina fizemo uns rolo quando nois era noivo. Coisa de gente nova, intusiasmada com a vida. Mais ele num fala, né doutô? Nos banco de guardá dinhero eu num posso tê conta, pois eles não aceita narfabeto. O segredo da receita eu inté posso apresentá agora pro sinhô. Tá aqui no meu borso e foi o Doutô Totonho, lá do posto de saúde, qui botô nela o nome dos remeido pra eu bebê e vê se mioro de uns cumichão qui cumeça na sola dos pé e vai isbarrá na rigião dos zuvido, dano uns zumbido danado e tirano inté a minha vontade de cumê.

Pedindo mil desculpas à imprensa, o deputado mandou liberar o Juca, sua sogra e o Abeia e mandou o assessor levá-los de volta à casa do Mundico.

Não houve condições para a continuação do “jogo da velha” com a eficiente secretária e naquela noite o parlamentar não pode comparecer à sessão extraordinária. Tanto ele como a deslumbrante loura estavam terrivelmente extressados...

 

 

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(na ordem em que foram publicados)